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quarta-feira, 4 de março de 2009

O Brutus, o Sr. Serafim e a Dona Lurdes



O Brutus é um cão de grande porte, este tipo de cães geralmente não dura mais que 7 ou 8 anos. A veterinária suspeita de uma encefalite ou uma neoplasia cerebral. Os donos estão tristes, o Brutus já não se acha capaz de ser aquele cão de guarda imponente, que quando ladrava fazia tremer o intruso mais incauto, perdeu a sensibilidade proprioceptiva e em momentos de maior stress, como idas ao veterinário, perde o controle de esfíncteres esvaíndo-se em merda. Merda pra isto, mas que vida de cão é esta? Pensará ele.. A médica de animais, prudentemente sugeriu aguardar uma semana para avaliar a evolução, mas avisou que eutanasiar poderá ser a melhor solução para terminar com o sofrimento do cachorro. O mundo animal parece estar mais avançado, eutanasiar já é palavra do vocabulário.
O Sr Serafim trabalhou toda a vida, homem sério, de bom trato. Pelas minhas contas há mais de 5 anos foi-lhe diagnosticado neoplasia intestinal, neste último ano perdeu por completo a pouca qualidade de vida que ainda lhe restava, a metastização do tumor, deteriorou por completo a sua condição física e mental, é completamente dependente em todas as necessidades básicas. A família agoniza com o seu sofrimento, exaspera com os seus gritos que aumentam apenas com um toque.
A D. Lurdes criou os 2 netos que hoje têm 14 e 11 anos. Apesar de passar os sessenta, aparenta menos dez. Calma, mas eléctrica, mulher de sete ofícios, teve uma vida difícil, mas rica e farta, nasceu na Venezuela e chegou a estar emigrada no Canadá, agora dedicava-se ao campo e às oliveiras. Foram estas inocentes árvores que a atiraram para o suplício, caiu de uma e fracturou a coluna cervical. Passa os dias entre o serviço de Ortopedia e cuidados intensivos. Estabiliza, ortopedia, pára de respirar, intensivos. A fractura é superior, atingiu a vértebra C4, a função respiratória está seriamente comprometida, o que ainda a mantém viva é uma traqueostomia. Mantém o seu perfeito juízo e já manifestou o desejo de morrer. Os filhos amam-na, daquele jeito de amar, que apenas os mais afortunados têm a possibilidade de perceber, revezam-se para, sempre que permitido, permanecerem junto dela e depois choram e desacreditam no Deus que trouxe ao mundo os seus filhos e o pão para as suas mesas.
A vida para ela já não faz qualquer sentido e sem o manifestar condena quem a prolonga, reanimando-a sucessivamente, Perdoai-lhes senhor, porque eles não sabem o que fazem, reza ao Salvador. Para ela e ao contrário do parecer dos filhos, já não tem vida de relação, não os encara, mal lhes fala. A única relação baseia-se no alívio disfarçado dos filhos de ainda puderem ver a mãe querida viva. Tamanho egoísmo que só pensam no seu pseudo-conforto.
Muitas vezes vejo escrito em diários clínicos e notas de enfermagem, “sem vida de relação”, a verdade nua e crua e a garganta entala-se-me. A vida vive do afecto e da relação, que é o seu verdadeiro motor. O resto é conversa. Quando médicos e enfermeiros escrevem “sem vida de relação” apesar de cair mal, procuro ser realista e penso, É um facto. O desenlace ideal, seria uma morte junto da família, do lar, da terra, morte serena, em paz, com a família consciencializada que é o melhor a fazer. Agora quem não passa por elas não compreende, nem muito menos sabe o que significa eutanásia. A igreja traça-lhes as ideias e o juízo.

E se o Sr Serafim fosse o papa, e a Dona Lurdes mãe de um ministro? Talvez apressassem o debate público, esclarecessem e constituíssem a eutanásia como um direito constitucional (evidentemente sustentado em princípios bioéticos) desembrulhada de preconceitos e ignorância. Sabemos que a realidade do país, o próprio sistema de saúde não estão ainda preparados para lidar com a eutanásia, comecem a trabalhar nesse sentido.

G.
Nota: recomendo o filme Mar Adentro, vejam um pouco em cima

Clica aqui para veres a mensagem original no: "porque deixei de ser enfermeiro"

muito bom mesmo

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