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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Cientistas condenados a seis anos de prisão por homicídio

Cientistas condenados a seis anos de prisão por homicídio: No dia 6 de Abril de 2009 morreram 309 pessoas por causa de um terramoto na cidade italiana de L'Aquila. Três anos depois, em Outubro de 2012, seis cientistas foram condenados pelo homicídio de 29 dessas pessoas. O tribunal considerou que uma comissão nomeada pelo Departamento de Protecção Civil, da qual faziam parte seis cientistas especialistas em sismos, deu falsas garantias de segurança à população. E que essas 29 pessoas teriam ido para um sítio mais seguro, caso não tivessem sido erradamente tranquilizadas quanto à inexistência de perigo iminente de um terramoto na região. Seis dias depois da reunião da comissão de avaliação de riscos, um terramoto de magnitude 6,3 destruiu a cidade e causou  centenas de vítimas.


L'Aquila situa-se na região dos montes Apeninos, uma das zonas de maior risco sísmico de Itália. Desde o início do ano que tinham ocorrido dezenas de abalos de fraca intensidade, que alarmaram a população. Para aumentar a confusão, um técnico de laboratório reformado chamado  Giampaolo Giuliani começou a fazer previsões de terramotos, baseadas em medições das concentrações de radon. A ideia, segundo ele, é que a concentração deste gás varia significativamente nas 24 horas que antecedem um grande terramoto. Mas isso nunca foi provado e aceite pela comunidade científica. Aliás, uma das poucas coisas simples acerca deste assunto é isto: a ciência, no seu estado actual, não consegue prever terramotos.


(clique para aumentar; fonte: nature.com)

Com a Terra a tremer (coisa que não era novidade em L'Aquila) e com um reformado de medidor de radon em punho a prever terramotos, as autoridades locais convocaram uma reunião da Protecção Civil em L'Aquila. Este facto é invulgar, dado que as reuniões desta comissão costumavam ter lugar habitualmente em Roma. Pode-se entender que a sua convocação em L'Aquila tinha como objectivo, à priori, tranquilizar a população. Nessa reunião, que decorreu a 31 de Março de 2009, participaram seis geofísicos e um alto responsável da protecção civil italiana chamado Bernardo De Bernardinis. Ao contrário do que é habitual estiveram ainda presentes cerca de uma dúzia de responsáveis locais, que não são cientistas. Ao fim de uma hora, e também ao contrário do que é habitual, não houve uma declaração conjunta acerca das conclusões do encontro. Houve sim uma entrevista, desastrosa, do vice Presidente da Protecção Civil. Nessa entrevista Bernardo De Bernardinis diz uma mão cheia de barbaridades sem qualquer sustentação científica:


- Segundo ele, a situação era “certamente normal” e não representava “nenhum perigo”.
- Acrescentou que a comunidade científica lhe assegurou que a situação até era favorável, por causa da descarga contínua de energia (os pequenos abalos).
- Quando no final o jornalista lhe perguntou se deveriam tomar um copo de vinho, respondeu afirmativamente e aconselhou os habitantes locais a abrirem uma garrafa de Montepulciano. 

Numa região altamente sísmica como L'Aquila nunca se pode dizer que não há nenhum perigo. Se é verdade que não se pode prever a ocorrência de terramotos, também não se pode prever a sua ausência. E a ideia de que os abalos sísmicos menores reduzem a probabilidade de um grande terramoto, também não tem qualquer apoio científico. Dificilmente algum dos cientistas lhes terá dito alguma destas coisas durante a reunião. Aliás, nada disso consta da acta da reunião, que no entanto apenas foi escrita após o terramoto que iria ocorrer seis dias depois. Os cientistas nada disseram. Aliás, um deles afirmou que apenas soube da conferência de imprensa informal de Bernardo de Bernardinis quando já se encontrava em Roma.

Em L'Aquila há uma cultura tradicional relacionada com a actividade sísmica. Ao longo de gerações as famílias habituaram-se a correr para as praças e locais abertos, assim que há qualquer abalo sísmico. E era isso que muitos dizem que teriam feito com a suas famílias quando a Terra tremeu às 11 da noite de dia 5 de Abril de 2009. Muitos dizem que passaram essa noite em casa, por causa da mensagem tranquilizadora da comissão. E que os seus familiares e amigos mortos não estariam debaixo de tectos antigos e frágeis no dia seguinte de madrugada, quando um terramoto de magnitude 6,3 arrasou a cidade e mudou a vida de todos os seus habitantes para sempre.

Três anos depois o tribunal de L'Aquila considerou os sete membros da comissão culpados de homicídio de 29 pessoas pois, segundo entendeu o juiz, estas teriam procurado um local um seguro na sequência do abalo da noite de 5 de Abril, se não fossem as declarações tranquilizadoras atribuídas à comissão de avaliação de risco. 

No entanto, nenhum dos seis cientistas pertencentes à comissão abriu a boca. E penso que disso podem ser acusados: de não partilharem a sua cultura científica e de não terem corrigido imediatamente Bernardinis. Não apenas os que estiveram presentes na reunião, mas todos os que sabiam que as declarações do vice presidente da Protecção Civil eram disparates empoleirados na credibilidade da ciência. Mas a ideia parece ter sido mesmo essa: foi convocada uma reunião com o objectivo prévio de tranquilizar a população, para a qual os cientistas foram convidados como figurantes. Não deveriam ter deixado. Mas será que estavam em condições de supor o impacto das declarações de  Bernardinis na população de L'Aquila?

Podem ser acusados de muita coisa, essencialmente por omissão. Mas não de homicídio. E muito menos de não preverem o terramoto, porque isso é impossível. O que está aqui em causa, pode condicionar gravemente o papel da ciência na sociedade. Muitos cientistas poderão sentir-se inibidos de dar opiniões ou participar em comissões, se souberem que podem ser responsabilizados por homicídios decorrentes de interpretação de conclusões a eles atribuídas. O que está em causa, é a própria ciência.

E salta também outra coisa à vista: a comunicação da ciência não é uma coisa secundária, uma espécie de manual de etiqueta da Paula Bobone para parecer bem. A comunicação de ciência é fundamental para  o papel da ciência na sociedade.

E não deixa de ser estranho, que num tempo em que os políticos continuam a prestar declarações falsas e a fazer todo o tipo de erros que têm gravíssimas consequências na vida das pessoas (os cortes na assistência médica causam mortes), os cientistas sejam responsabilizados por não terem certezas sobre fenómenos imprevisíveis da natureza.

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