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sexta-feira, 13 de maio de 2011

Na trincheira do Estado social*

Na trincheira do Estado social*: "

Uma multidão concentrou-se há dias no Hospital dos Capuchos. Pretendiam marcar uma consulta de Oftalmologia. A administração do Hospital dos Capuchos mostrou-se surpreendida com aquela afluência inusitada. Extraordinariamente, nem a administração daquele hospital nem o Ministério da Saúde acham estranho que nesta unidade as marcações para a consulta de Oftalmologia só possam ser feitas duas vezes por ano. Aquela multidão aglomerada nos Capuchos procurando marcar uma consulta num dos dois únicos dias em que tal é possível em todo o ano são o sinal de protesto por que todos esperavam. Mas como os presentes não queimavam pneus, não usavam capuzes e não sabem o que é o Twitter, ninguém lhes deu o devido destaque. Acresce também que eles não gritavam palavras de ordem contra o capitalismo, coisa que torna telegénica qualquer aglomeração. Diziam apenas: “Isto é uma pouca-vergonha!”


E é. Realmente um serviço que apenas marca consultas duas vezes por ano, a não ser que se trate de uma ONG em regime de absoluto voluntariado, não se entende. Mas é também um aviso – nos próximos tempos esta ânsia de não ficar entre os excluídos levará a uma procura intensiva do que ainda existe. E é um símbolo de um Estado que gasta no funcionamento da sua máquina burocrática e nas suas mordomias aquilo que foi prometido e garantido aos portugueses como serviços públicos.


A multidão que acorreu aos Capuchos procurando obter a sua migalha do serviço universal e gratuito é o vivo retrato do que acontece a um povo apanhado na armadilha estatista dos serviços públicos ditos universais e apresentados como gratuitos: estas pessoas descontaram para a Segurança Social uma parte significativa dos seus vencimentos, descontaram para o IRS, algumas pagaram IRC, pagaram taxas, contribuições… tudo sempre em nome da promessa de uma tranquilidade futura.


A cada ano o valor dessas contribuições aumenta e a cada ano diminuem os serviços, as consultas e os apoios prestados. A máquina absorve no seu funcionamento quase tudo e não hesita em pressionar para que mais verbas da segurança social e dos PPR sejam afectadas à compra de dívida pública. Mas eles, os que estão na fila dos Capuchos, não podem ir a uma consulta noutro lugar. A não ser que paguem. Mas como o podem fazer se a cada mês descontam mais para os tais serviços gratuitos a que não têm acesso? Ou têm se chegarem de madrugada num dos dois dias do anos em que existe marcação de consulta. A isto chama-se ratoeira perfeita.


Mas porque não poderão estas pessoas ter a sua consulta custeada pelo Serviço Nacional de Saúde noutro local público ou privado? Desde que a comparticipação não fosse superior ao que custam na realidade estas consultas nos Capuchos, só por obsessão estatista se entende esta política.


Mas de cada vez que alguém equaciona alguma proposta para quebrar este círculo vicioso imediatamente se ouve a acusação de liberalismo que depois passou a ultraliberalismo e já vai em liberalismo radical. E que de ciência certa se garante pretender acabar com o Estado social.


Mas ao certo o que é e onde começa e acaba o Estado Social, o tal majestaticamente maiusculado nos programas do PS e PSD, que José Sócrates classifica como o “nosso Estado Social” e que o PSD pretende transformar num “Estado Social Sustentável”?


Lamento informar, mas o Estado social é uma bela expressão para os debates eleitorais, sobretudo porque permite aos socialistas em queda entrincheirarem-se na cidadela do “nosso Estado social”, ao PSD explanar o seu argumentário sobre o desvario despesista de Sócrates e ao CDS afivelar o seu perfil democrata-cristão que lhe permite pairar sobre tudo isto. (Quanto ao PCP e ao BE, a questão para eles não é se o Estado é social, mas sim se pode existir social sem Estado, o que os coloca noutro patamar de discussão).


Mas voltemos ao que interessa: procurem o Estado social nos debates da Assembleia da República e constatarão, tal como eu constatei, que se trata de um recém-chegado à nossa política. Desde que a Assembleia da República entrou em funções, nos idos de 1976, a expressão “Estado social” foi repetida 874 vezes, 730 das quais nos Governos Sócrates. Até 2005 o Estado social raramente foi invocado nos debates parlamentares e quando tal acontecia isso devia-se geralmente ao CDS e ao PSD (e também ao fugaz PRD) que até meados dos anos 80 contrapunham um “Estado social de direito” ao argumentário muito caro ao PCP das conquistas do povo trabalhador. Aliás durante a Constituinte o Estado social só é invocado uma única vez, precisamente pelo MDP-CDE, que acusava o “reaccionário” CDS de pretender instituir em Portugal um Estado social à semelhança do que fizera anos antes o “fascista Marcelo Caetano”.


O que acontece após a chegada de Sócrates ao poder é a aglomeração para efeitos de propaganda de um conjunto até então fragmentado de direitos e apoios, nascidos em diferentes Governos, num todo que passou a ser identificado como Estado social e que paulatinamente passou a ser associado ao PS. De repente, Estado social podia ser tudo: Magalhães para as criancinhas, rendimentos de inserção, estágios para jovens etc. Tudo era Estado social e tinha de ser porque este conceito assaz difuso permitia preencher o imenso vazio deixado por um Estado que estava a falhar clamorosamente nas suas obrigações fundamentais tais como garantir a soberania do país. Como era inevitável, acabámos socialmente falidos e a viver num Estado tutelado. Por isso um dos grandes passos que teremos de dar nos próximos anos é conseguirmos que o Estado seja Estado e deixarmos de lhe colar adjectivos como social que pertencem à política e que como tal devem ser discutidos.

*PÚBLICO



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