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segunda-feira, 14 de março de 2011

Deolinda, Homens da Luta e gerações à rasca

Deolinda, Homens da Luta e gerações à rasca: "


Pensava que o cronista, jornalista, comentador, escritor e especialista em arbitragens Miguel Sousa Tavares só dizia disparates quando falava de futebol, mas estava enganado.


Vi-o a disparatar no telejornal Jornal da Noite (SIC) quando desvalorizou a vitória dos Homens da Luta no Festival da Canção, o impacto da canção dos Deolinda, «Parva que eu sou», e a manifestação da Geração à Rasca.


O problema de Miguel Sousa Tavares não está na inteligência, mas na deslocação da actividade neuronal do cérebro para as nádegas: o homem não pensou com a cabeça, pensou com o cu sentadinho na rica cadeira de comentador televisivo.


Talvez lhe fizesse bem dar uso às pernas e dirigir-se a um supermercado.


Não é preciso ir muito longe: postos de abastecimento dos nossos estômagos existem praticamente em cada esquina.


Eu oiço a canção dos Deolinda quando constato que pelo menos dois dos caixas do supermercado que frequento, têm o curso superior e foram forçados a trabalhar ali por não terem conseguido, até agora, colocação profissional em Portugal.


Oiço a canção dos Deolinda quando a minha filha tenta decidir o que quer ser na vida e eu, secretamente dividido entre o pragmatismo e a vontade de a ver feliz e realizada, vou pensando «por favor, quando fores grande não queiras ser algo que Portugal despreze».


Também escuto os ecos da canção dos Deolinda nos corredores dos supermercados e nas avenidas dos centros comerciais, ao verificar que preciso gastar, em média, entre 100 e 150 euros por semana para garantir aos meus filhos os mínimos olímpicos em alimentação, vestuário e escola.


E continuo a ouvir os Deolinda quando constato que faço parte do grupo de pequenos privilegiados que consegue gastar numa semana o que muita gente não pode gastar num mês.


Por tudo isto e muito mais, considero notável que Miguel Sousa Tavares, também escritor, não tenha sabido vislumbrar na canção dos Deolinda o poder das palavras. E não tenha sabido reconhecer que a Cultura, a Arte, continua a ser capaz de atingir em cheio o espírito das pessoas.



Os Homens da Luta na capital do Euro



Sim, a canção dos Homem da Luta é uma merda – e daí? Todo o Festival da Eurovisão é uma trampa ainda maior, pelo que musicalmente não vão destoar.


O facto de terem ganho – contra a vontade do júri – demonstra dois sentimentos dos portugueses que se deram ao trabalho de votar:


1 – estão a cagar-se para o festival, tanto lhes faz que Portugal ganhe ou não;


2 – identificam-se com a letra da canção e a postura dos Homens da Luta.


Um episódio semelhante sucedeu quando, em 1973, Fernando Tordo venceu o Festival com uma canção de Ary dos Santos, Tourada.


A letra fazia uso de uma simples metáfora para comparar a tourada ao Estado Novo e à decrepitude da sociedade portuguesa, profundamente pobre e atrasada, intoxicada pelo bafo moralista e castrador do salazarismo.


Se o sucesso deste tipo de canções é um indicador de qualquer coisa, é difícil de ajuizar; mas sabemos o que veio a acontecer em Portugal um ano depois.


As diferenças entre comediantes como os Homens da Luta e os Gato Fedorento são simples: ao contrário dos Homens da Luta, os Gato não fedem nada; os Gato têm vergonha, aqueles não têm vergonha nenhuma; os da Luta gostam de fazer merda agitando a merda dos outros e, de seguida, esfregando-lha nas caras – se forem políticos, tanto melhor; os Gato querem continuar a entrevistar políticos de forma engraçada.


Os Gato têm uma imagem a defender, os da Luta têm personagens.


Estes personagens são símbolos: uma mistura do espírito militante e revolucionário de Zeca Afonso e o estilo gingão e marialva do típico lisboeta, figuras anacrónicas, anedóticas, capazes de incomodar à esquerda e à direita, mas cuja sobrevivência depende da consistência dos actores. Já a sobrevivência dos Gato comediantes depende das audiências que consigam gerar.


Portanto é pena que em vez de analisar os Homens da Luta a partir do próprio umbigo, Miguel Sousa Tavares não pergunte por que razão símbolos de luta velhos de trinta anos fazem sentido para pessoas que ainda nem sequer tinham nascido em 1974?



A Luta Continua depois de um curto bloco publicitário


Como esta geração à rasca foi educada e formatada para o pronto-a-consumir, tenho algumas dúvidas sobre o real significado que será retirado da canção dos Deolinda – isto já não depende do grupo, claro, porque por esta altura a canção também já não lhes pertence: está nas nossas mãos para o que quisermos fazer dela.


Uma coisa me parece evidente: as mudanças não se fazem com iPhones nem aproveitando a manifestação para ir dar um passeio a Lisboa, da mesma forma que vestir uma t-shirt do Che Guevera não faz de ti um revolucionário.


A mudança só acontecerá se a maioria estiver disposta a não se deixar manipular pelos políticos e a rejeitar o próprio sistema.


É este sistema que valoriza o poder do dinheiro sobre o poder da Cultura e do Conhecimento que nos colocou assim, a falar de empréstimos, dívidas, alemães e taxas de juro; é este sistema que privilegia a cunha e despreza o mérito, recompensa a mediocridade e ostraciza o lutador. É este sistema que faz de nós os parvos de que fala a canção dos Deolinda. Este sistema assenta em técnicas publicitárias que nos tentam fazer acreditar, todos os dias, sem dó nem piedade, que só precisamos daquilo que pode ser vendido. Este sistema tem um nome: Capitalismo.


Se a geração à rasca for nesta conversa, as manifestações não passarão de circos de protesto para serem filmadas em televisões e exibidas ao lado de espaços publicitários.


Este post foi publicado originalmente no Bitaites.



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