Origem :Consciência de um Enfermeiro
"Li,
algures numa rede social, um artigo datado de 2010 em que um ignorante (no
sentido de pessoa ou anormal que fala sobre um assunto que nada percebe) teve a
lata de dizer que os enfermeiros tinham lata em exigir melhores condições e
apenas iam fazer greve (na semana a seguir à Páscoa, creio) só para irem de
férias. Talvez para o caribe, digo eu.
A visão
da sociedade sobre os enfermeiros é a de serem uns meros vassalos dos médicos,
de serem uns limpa cús e, em último caso, são os gajos que dão picas. A
atendendo a isto, ganhámos bem demais para o que fazemos, devíamos era ganhar
menos ou, quem sabe, trabalhar inclusive de graça. É uma visão global e não
apenas de um ignorante.
Pois
bem,
não me vou pôr aqui a dizer quais as nossas funções, pois entendo que
todos os que pensam assim não têm um QI suficiente para compreendê-lo.
Mas há algumas coisas
que gostava de esclarecer.
Greves…somos
das profissões (não a única) mais altruístas a fazer greve! Não é que nos dias
de greve comparecemos ao trabalho para desempenhar algo que se chama “cuidados
mínimos”! Deixo uma questão para os iluminados…digam-me o “porquê” destes
cuidados e da sua obrigatoriedade?
Quanto à
propagada disputa com os médicos e à nossa vassalagem, deixem-me que esclareça
o significado profissões interdependentes. Dependem umas das outras. Não em
tudo como é óbvio. Cada uma autónoma na maioria das suas funções. Os médicos
dependem da informação que nós damos (vejam lá meus iluminados, eles até
acreditam em nós) para decidir, avaliar ou alterar tratamentos aos doentes, por
exemplo. Diz-se que dependemos deles para dar medicação. Isso é das tais
falácias que de tantas vezes repetidas se tornam verdade. Também eu podia dizer
que os médicos dependem de nós para que a medicação que prescrevem seja
administrada. Ou seja, é a velha questão de quem nasceu primeiro, o ovo ou a
galinha. Simplesmente eles prescrevem, nós administramos (temos poder de negar
quando achamos que está mal prescrito). Esclarecidos? Não criem guerras onde
elas não existem, somos colegas numa equipa multidisciplinar.
Dizem que
os colegas dos Centros de Saúde não fazem nada. Eu digo que se as pessoas
fossem um pouco inteligentes e seguissem as orientações de médicos e
enfermeiros de família, muitos dos problemas que obrigam a internamentos ou a
medicação crónica seriam evitados. Chama-se a isso prevenção, meus caros. E os
cuidados primários é para isso que estão, não para operações nem internamentos.
Se falo
de tudo o que vemos, de tudo o que passamos, dos turnos que alteram a nossa
vida, das noites mal dormidas…dizem que já sabíamos ao que íamos. Deixem que
vos diga que nenhum enfermeiro tem perfeita noção para o que vai. A maior
parte, nenhuma mesmo. Vemos a fragilidade humana no esplendor e nem sempre se
consegue reverter isso. Quantos doentes já me passaram pelas mãos e me fizeram
lembrar entes queridos que já cá não estão? “Têm que ser frios” dizem, como se
para isso apenas bastasse carregar num botão ou como se fosse coisa que se
aprenda num curso.
Li um
artigo intitulado “Os enfermeiros também choram” e percebo perfeitamente o
significado do texto…mas eu digo que os enfermeiros não choram.
Nós não
choramos, nós escondemos. Escondemos a nossa dor ou sofrimento para que aqueles
que mais precisam de nós se sintam protegidos. Nós sorrimos perante a doença,
perante a morte, perante a falta de esperança, para que eles não a percam.
Porque sem esperança
não há cura. Sabemos ser duros, sendo amáveis. Sabemos ser próximos, sendo distantes.
Nós não
choramos, simplesmente temos momentos a sós, no trabalho ou em casa, em que
lavamos a alma, em que renovamos a nossa vontade de ajudar o próximo!
E
no dia a seguir voltamos ao nosso campo de batalha para provar que os
anjos-da-guarda não choram...Voltamos na esperança de que
esgares de dor virem sorrisos, que a doença vire saúde, que o desespero vire
esperança, que o desumano vire humano, que a indignidade vire dignidade.
Sem
dúvida que nós, enfermeiros, temos uma lata descomunal…em fazer o que fazemos
por valores tão ridículos!"
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