Tenho um amigo com quem me encontro muitas vezes. O meu amigo está a ficar velho e, talvez por isso, gosta de me contar histórias do seu país.
Contou-me ele então que, há algumas décadas, foi decidido construir, numa grande cidade, um novo edifício para um Hospital Pediátrico precariamente instalado numa construção centenária, sem condições para um hospital moderno e com elevado potencial de risco.
Um Engenheiro do Ministério chegava mesmo a dizer que, em caso de incêndio, seria uma catástrofe, não apenas pela carga térmica ali concentrada, como pelo facto de, em tal situação, a configuração do edifício provocar o chamado efeito chaminé.
Escolhido o local de construção do novo hospital, elaborado o projecto, toda a gente pensava que o início da obra estaria para breve.
Mas, no país do meu amigo, parece que decisão e acção não fazem parte do mesmo processo. Para já não falar na avaliação, um assunto quase tabu para os indígenas.
De modo que os anos foram passando sem o projecto sair do papel.
Em determinada altura surgiu nova ideia. Afinal, o que devia ser construído era um Centro Materno Infantil.
Uma Maternidade cinquentenária, património afectivo e cultural da cidade, ocupando um edifício estruturalmente sólido, precisava de se expandir.
A área circundante da Maternidade poderia ser facilmente aumentada. Cercavam-na dois bairros de casas térreas, sem condições de habitabilidade e presumia-se que o Município estivesse receptivo à ideia de realojar os moradores e libertar os terrenos.
Situando-se a Maternidade muito perto dum Hospital Central, fazia todo o sentido que o Centro ali fosse construído, de modo a evitar a duplicação de meios e a aproveitar a sinergia da interacção entre os estabelecimentos.
Foi então elaborado o programa e o anteprojecto do futuro Centro. A opção de não construir em altura, consentânea com as preocupações de humanização dum hospital deste tipo e com a sua inserção na malha urbana, seria possível com a libertação dos bairros adjacentes.
Só que Câmara e Governo eram de cores diferentes e aproximavam-se eleições. A Câmara aceitava resolver o problema desde que o Governo incluísse o financiamento num programa especial que tinha para realojamentos. O Governo entendeu que não e não se passou do estudo prévio.
Das eleições saiu um Governo da cor da Câmara. Os moradores foram realojados pelo Município e a expropriação dos terrenos paga pelo MS.
Era agora possível avançar com o Centro. Mas o Governo resolveu abandonar o programa anterior e elaborar um outro, muito mais ambicioso. O projecto foi desenvolvido por um arquitecto, jovem mas já com renome, que apresentou obra asseada.
Foi mesmo possível, maravilhas do digital, passear pelo interior duma magnificente torre tecnológica. No país do meu amigo o virtual é um mundo perfeito.
Entretanto tinha mudado a cor da Câmara mas, estando já resolvido o problema dos terrenos, pensava-se que nada poderia afectar a consecução do projecto.
Só que, antes de se iniciar a sua execução, mudou também o Governo, que voltou a ficar da cor da Câmara.
Entre Câmara e Governo houve rápido entendimento. Não para realizar o projecto, mas para o liquidar.
Os moradores voltaram ao local inicial, já não para casinhas térreas, como antigamente, mas para casas de três andares, exoticamente pagas, em grande parte, pelo Ministério da Saúde, que tratou de encomendar, ao jovem arquitecto, um outro projecto para instalar o Centro junto de outro Hospital Central.
As casas levam tempo a construir, mas ainda mais a pagar. Quando a última factura chegou ao Ministério da Saúde já o Ministro era outro e o Governo de outra cor.
O novo Ministro entendeu que construir habitação social não era competência do seu Ministério e recusou a factura. A Câmara nunca mais lhe perdoou.
Perante a enorme confusão que se gerara, com tantas mudanças, o Ministro incumbiu a autoridade regional de lhe apresentar uma solução final para o problema.
O estudo, feito com parcimónia e tendo sempre presente os recursos já existentes, concluiu que a solução estaria na construção do Centro, agora com muito menos volume de construção, nos terrenos ainda pertencentes à Maternidade.
Apresentado o projecto à Câmara, a Câmara disse que não. O projecto ofendia o PDM.
Aqui chegados, o meu amigo começou uma longa explicação sobre o que é o PDM e como é que a coisa funciona no seu país.
Confesso que, nesta altura, já não o ouvia. Toda a sua narração era tão inverosímil, que ele só me pode ter estado a falar dum seu país inventado!
Murphy
"
Contou-me ele então que, há algumas décadas, foi decidido construir, numa grande cidade, um novo edifício para um Hospital Pediátrico precariamente instalado numa construção centenária, sem condições para um hospital moderno e com elevado potencial de risco.
Um Engenheiro do Ministério chegava mesmo a dizer que, em caso de incêndio, seria uma catástrofe, não apenas pela carga térmica ali concentrada, como pelo facto de, em tal situação, a configuração do edifício provocar o chamado efeito chaminé.
Escolhido o local de construção do novo hospital, elaborado o projecto, toda a gente pensava que o início da obra estaria para breve.
Mas, no país do meu amigo, parece que decisão e acção não fazem parte do mesmo processo. Para já não falar na avaliação, um assunto quase tabu para os indígenas.
De modo que os anos foram passando sem o projecto sair do papel.
Em determinada altura surgiu nova ideia. Afinal, o que devia ser construído era um Centro Materno Infantil.
Uma Maternidade cinquentenária, património afectivo e cultural da cidade, ocupando um edifício estruturalmente sólido, precisava de se expandir.
A área circundante da Maternidade poderia ser facilmente aumentada. Cercavam-na dois bairros de casas térreas, sem condições de habitabilidade e presumia-se que o Município estivesse receptivo à ideia de realojar os moradores e libertar os terrenos.
Situando-se a Maternidade muito perto dum Hospital Central, fazia todo o sentido que o Centro ali fosse construído, de modo a evitar a duplicação de meios e a aproveitar a sinergia da interacção entre os estabelecimentos.
Foi então elaborado o programa e o anteprojecto do futuro Centro. A opção de não construir em altura, consentânea com as preocupações de humanização dum hospital deste tipo e com a sua inserção na malha urbana, seria possível com a libertação dos bairros adjacentes.
Só que Câmara e Governo eram de cores diferentes e aproximavam-se eleições. A Câmara aceitava resolver o problema desde que o Governo incluísse o financiamento num programa especial que tinha para realojamentos. O Governo entendeu que não e não se passou do estudo prévio.
Das eleições saiu um Governo da cor da Câmara. Os moradores foram realojados pelo Município e a expropriação dos terrenos paga pelo MS.
Era agora possível avançar com o Centro. Mas o Governo resolveu abandonar o programa anterior e elaborar um outro, muito mais ambicioso. O projecto foi desenvolvido por um arquitecto, jovem mas já com renome, que apresentou obra asseada.
Foi mesmo possível, maravilhas do digital, passear pelo interior duma magnificente torre tecnológica. No país do meu amigo o virtual é um mundo perfeito.
Entretanto tinha mudado a cor da Câmara mas, estando já resolvido o problema dos terrenos, pensava-se que nada poderia afectar a consecução do projecto.
Só que, antes de se iniciar a sua execução, mudou também o Governo, que voltou a ficar da cor da Câmara.
Entre Câmara e Governo houve rápido entendimento. Não para realizar o projecto, mas para o liquidar.
Os moradores voltaram ao local inicial, já não para casinhas térreas, como antigamente, mas para casas de três andares, exoticamente pagas, em grande parte, pelo Ministério da Saúde, que tratou de encomendar, ao jovem arquitecto, um outro projecto para instalar o Centro junto de outro Hospital Central.
As casas levam tempo a construir, mas ainda mais a pagar. Quando a última factura chegou ao Ministério da Saúde já o Ministro era outro e o Governo de outra cor.
O novo Ministro entendeu que construir habitação social não era competência do seu Ministério e recusou a factura. A Câmara nunca mais lhe perdoou.
Perante a enorme confusão que se gerara, com tantas mudanças, o Ministro incumbiu a autoridade regional de lhe apresentar uma solução final para o problema.
O estudo, feito com parcimónia e tendo sempre presente os recursos já existentes, concluiu que a solução estaria na construção do Centro, agora com muito menos volume de construção, nos terrenos ainda pertencentes à Maternidade.
Apresentado o projecto à Câmara, a Câmara disse que não. O projecto ofendia o PDM.
Aqui chegados, o meu amigo começou uma longa explicação sobre o que é o PDM e como é que a coisa funciona no seu país.
Confesso que, nesta altura, já não o ouvia. Toda a sua narração era tão inverosímil, que ele só me pode ter estado a falar dum seu país inventado!
Murphy
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