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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Enfermeiro explica enfermagem a intelectuais

Enfermeiro explica enfermagem a intelectuais: "





Um pouco à moda de um blogue de um médico (agora de férias parece-me...) queria deixar aqui um pequeno exemplo da forma distinta mas complementar como um enfermeiro e um médico olham para uma mesma pessoa, isto apenas para ajudar a compreender um pouco os paradigmas diferentes que ambas as profissões vivem.


Para o médico:(São 8:00) O sr António tem 58 anos e iniciou dor torácica(restrosternal) tipo aperto pelas 7:00, de duração10 min após subir lanço de escadas acompanhada de tonturas. Dor aliviou espontaneamente após 10 min e agora novamente com dor pelo que recorreu à Urgência.
Eupneico
Corado e hidratado
AP e AC normal
SV: TA 200/120mmHg ; FC 90bpm; FR 20cpm; Taur:36.5ºC
Comorbilidades: HTA; DM tipo II; obesidade e hábitos tabágicos pesados (40 cigarros/dia); Doença arterial periférica
Antecedentes pessoais: cirurgia a hérnia inguinal aos 43 anos sem complicações;
Medicação habitual:a esposa é que sabe
Plano: Hemograma; função renal + enzimas hepáticas e cardíacas; ECG e rx tórax
Oxigenoterapia; DNI 5mg

Para o Enfermeiro: (são 7:55) O sr António tem 58 anos e iniciou dor na região retrosternal tipo aperto , com duração de 10 min pelas 7:00 após esforço moderado. Dado saber que poderia ser sintomatologia compatível com EAM resolveu descansar para melhorar da dor. Dado não sentir melhoras resolveu vir sozinho para o SU. A esposa vem a caminho e é esta quem gere a toma de medicação do utente. Filho de 26 anos já vive sozinho e não sabe que o pai está no Hospital.
Bom estado geral mas com IMC de 30 (1,74 cm de altura e 90 kg)
À entrada está aparentemente eupneico. Colocada oxigenoterapia a 4 L min por cânula nasal ( a prescrição era omissa quanto ao FiO2) e dado estar ansioso a máscara facial poderia ser um factor de desconforto.
Foram avaliados os SV que o médico registou dado que neste momento o enfermeiro está a colocar o utente numa posição de conforto e repouso (deitado para fazer o ECG que será posteriormente pedido).
Colocado um acesso venoso periférico 20 G no antebraço esquerdo (se eventualmente for ao serviço de Hemodinâmica o operador está colocado à direita) e colhe 3 tubos de sangue (ainda não prescritos mas que serão H+ Bq geral+ enzimas cardíacas; não colhe estudo de coagulação porque não faz anticoagulantes nem aparenta distúrbios da coagulação).
Entretanto fez-se o ECG: com supradesnivelamento nas derivações DII DIII e aVf. Dada alta probabilidade de estar a ter EAM com supra de ST, manter dor e manter HTA é inquirido médico sobre a necessidade de fazer morfina EV(que foi diluída numa concentração fácil de dosear ou seja 1mg/mL e AAS 250 mg mastigado sendo que este prescreve no exacto momento em que o enfermeiro já tem a medicação consigo.
Procura saber se a esposa já está no SU para melhor informar da terapêutica habitual do utente e como o médico irá chamar equipa de prevenção da Hemodinâmica para realização de cateterismo de Urgência o enfermeiro pede ao auxiliar para chamar esposa junto do utente para recolher valores (roupa por ex ) e uma vez junto da esposa (já com a informação do plano) informa-a e ao utente simultaneamente do procedimento e diz-lhe para comunicar ao filho o que se estava a passar(mas com calma não vá ele vir a acelerar no seu Golf) que irá acontecer uma vez que o utente está ansioso e os médicos apenas disseram que iria fazer um exame para destapar uma veia do coração por causa de estar a ter um enfarte.
Monitorizou o doente e informou restante equipa de enfermagem para se adaptarem à necessidade de ele ficar em exclusivo com este utente sem situação crítica

Não detalhando mais... O enfermeiro, em todo este processo pensou no quê?
A apresentação inicial dum utente a entrar.
Na família e forma de esta ajudar o utente e a equipa de saúde.
Procedimentos técnicos a adoptar em caso de um utente estar com dor torácica
Previu a actuação do médico (MCDT's e farmacoterapia).
Acomodação do utente de forma a minorar isquemia e preparação para MCDT's.
Reparou que o doente apresentava dificuldade na marcha devido a claudicação e providenciou ajuda do auxiliar e do próprio enfermeiro para acomodar o utente.
Complementou o médico na prescrição de atitudes terapêuticas que ficaram omissas.
Preparou o utente para tratamento posterior (intervenções por parte da Cardiologia de Intervenção).
Manteve o utente a par dos cuidados actuais a prestar e actuação da equipa de saúde.
Serviu como gestor de cuidados ao interligar técnico de cardiopneumologia, médico, auxiliares, restantes enfermeiros e família.
Apercebeu-se de que o utente estava familiarizado com sintomatologia de doença cardiovascular mas não estava a cumprir medidas não farmacológicas de redução dos factores de risco cardiovascular assim como tinha negligenciado a toma de medicação ao entregar a responsabilidade da gestão da medicação à esposa pelo que é um utente que deverá ser encaminhado para o enfermeiro de família no futuro e no futuro próximo deve ser vincado este facto à equipa de enfermagem do serviço de Cardiologia.


Provavelmente negligenciei alguns aspectos mas espero que tenha dado para perceber a coisa... Que os enfermeiros se concentram naquilo que é a forma como o utente vivencia a sua situação de doença/saúde e o modo como ele pode ser ajudado a ultrapassá-la... Um 'palavreado muito psicossocial' mas uma actuação baseada na ciência , eficiente e eficaz... Um verdadeiro gestor da saúde!
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