Greve, Enfermeiros, Luta, Irresponsabilidades e Afins: "
Sinto-me obrigado a escrever umas linhas acerca da luta dos enfermeiros. Antes demais porque percebo algum sentimento de revolta de certas pessoas quanto à forma de luta – greve. Percebo apenas porque compreendo algum desconhecimento da realidade das greves no sector da saúde, bem como, concordo que a greve não é o melhor meio de luta, mas é por vezes o possível e mais forte! Depois de ler algumas barbaridades, de tal já se aperceberam, convém frisar alguns aspectos. A questão fulcral não é, de todo, o dinheiro – mas há quem diga que o dinheiro resolve tudo.
Apesar de ser o mais badalado motivo da luta dos enfermeiros, o acréscimo remuneratório não é, nem de perto nem de longe, a principal reivindicação dos enfermeiros. Mais importante que isso é, a meu ver, a entrada na administração pública de milhares de enfermeiros com vínculos precários às instituições do SNS.
O reconhecimento de um esforço suplementar dos enfermeiros, na última década e na actualidade, na reconfiguração das suas funções e competências, na revalidação e recertificação de conhecimentos. Como todos sabemos é notória a elevada taxa de enfermeiros com estudos superiores de 2º e 3º nível e tende a aumentar, igualmente sabemos que isso custa dinheiro, esforço e dedicação.
Os enfermeiros reclamam um tratamento idêntico ao que é garantido a outros técnicos superiores de saúde. Os enfermeiros não são, como muitos ignorantes vieram afirmar, meros subditos dos médicos. Uma relação de multidisciplinariedade cumpre-se nos princípios de ajuda, discussão e partilha. Os enfermeiros também não mandam nos auxiliares de acção médica. O facto de um médico prescrever determinado fármaco ou plano de tratamento implica que o enfermeiro o ponha em prática? Sim, mas nunca sem que o enfermeiro discuta com o médico da possibilidade, vantagens/desvantagens, segurança do tratamento. Nunca sem antes verificar a prescrição, a dosagem, a segurança, a fiabilidade, a adequação de determinado fármaco a uma certa doença. Sim, o enfermeiro reduz drasticamente o erro clínico. Sim, o enfermeiro é responsável pela administração de fármacos (compreendem a responsabilidade – 1 mEq por vezes mata), pela instituição de planos de cuidados, pela monitorização do utente no seu todo, pelo tratamento de feridas (as feridas – querem falar delas?). Este parágrafo termina assim com o intuito de esclarecer a suposta irresponsabilidade dos enfermeiros. Aqueles que não podem de modo algum ganhar o mesmo que os médicos porque têm menor responsabilidade – não é sr.º henrique raposo (com letra minúscula) [consultem barbaridades deste senhor aqui]?
Os enfermeiros vivem numa situação de precariedade, competitividade exagerada e desemprego. Não há regulação no acesso ao ensino superior de enfermagem, tal como, e não menos preocupante, não existe noutras áreas. Acresce, em particular, o facto de as instituições de saúde não contratarem os enfermeiros necessários. Os serviços de saúde estão saturados e os enfermeiros são obrigados a trabalhar a 150% – dados do Ministério da Saúde.
Outras questões – transição de carreira, taxas de acesso a enfermeiro principal, entre outras – estão manifestamente postas de lado pelo Ministério da Saúde que, arrogantemente, tem demonstrado uma atitude de desprezo pelos enfermeiros. O sector dos Cuidados de Saúde Primários está em completo stand-by, uma série de concursos anulados, mais enfermeiros sem vínculo à administração pública – mais enfermeiros na precariedade. O INEM – concurso para SIV’s – colocado na reciclagem, enfermeiros com expectativas frustradas ao longo de meses a fio. Enfermeiros nos CODU’s retirados, o Pizarro diz que foi para os colocarem nas SIV’s – a Ordem dos Enfermeiros já pôs os pontos nos i’s (link).
Os Enfermeiros já são discriminados há mais de uma década – algum dia a bomba tinha de rebentar – para os mais incautos e para aqueles que levantam a bandeira da crise para argumentar da irresponsabilidade dos enfermeiros em reivindicar nestes moldes, relembro-vos que esta luta já conta mais dias, meses e anos que a palavra ‘crise’ – mas o governo nunca deu ouvidos.
Esta breve descrição não expõe todos os motivos desta luta mas aqueles que acho mais preponderantes e urgentes. Relembro que discordo de muitas formas de greve, da calendarização das mesmas, entre outras; mas urge salientar que a forma de greve utilizada pelos enfermeiros não é irresponsável como muitos lamentam. A greve dos enfermeiros é feita com pré-calendarização de modo a diminuir os prejuízos da mesma para os utentes e instituições de saúde. A greve dos enfermeiros assegura os cuidados mínimos em todas as instituições. O facto de mais de 90% dos enfermeiros efectuarem greve não implica que mais de 90% dos enfermeiros estejam fora do seu local de trabalho. Há enfermeiros em greve que se mantém nos seus locais de trabalho a assegurar os tais ‘cuidados mínimos’. Nenhuma situação de urgência ou emergência deixa de ser atendida devido à greve.
Outras formas de luta? Talvez. Mas nem com greves o Ministério da Saúde nos ouve! – Estamos esclarecidos?
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